O livro que mudou minha vida
E que talvez seja uma leitura trivial para qualquer outra pessoa
O meu noivo vem de uma família muito, muito grande. Muitos tios, muitos primos e muitos sobrinhos, todo mundo muito unido. Eu acho super legal, porque cresci em uma família super pequena, só meus pais, minha irmã, meus avós maternos e às vezes um pouco da família paterna.
Todo Natal é sempre muita gente em casa, tem que passar um tempo na casa da minha sogra, um tempo na casa do meu sogro, e no Natal de 2023 nós ainda fomos passar um tempo na casa do sogro do meu cunhado. Um caos comprar presente para essa galera toda, principalmente quando você é de fora e algumas dessas pessoas você nunca nem ouviu falar.
Pois bem, foi se sentindo assim que um dos familiares presentes nesse almoço de Natal (eu não sei qual era o grau de parentesco dele com a família do meu cunhado) levou livros de presente para todo mundo. Aparentemente ele é dono ou trabalha numa livraria, e ele simplesmente pegou uns livros que estavam sobrando por lá, embalou e deu de presente aleatoriamente para as pessoas ali presentes.
Eu ganhei um livro chamado 961 heures à Beyrouth, da escritora Ryoko Sekiguchi. Realmente não poderia ser mais aleatório, uma autora japonesa, que mora na França, e foi convidada pelo governo do Líbano para escrever sobre a culinária do país. Confesso que eu não tinha nenhuma expectativa sobre o livro, mas decidi ler para passar o tempo.
O livro não é dividido em capítulos normais, mas por mini parágrafos aparentemente desconexos durante todo o livro, é literalmente um compilado de relatos e pensamentos que a Ryoko sentiu a necessidade de compartilhar durante a estadia dela. O tema inicial do livro é culinária, mas ela fala muito mais sobre cultura, tradições, comportamento humano, e guerra.
Eu nunca tinha visto alguém escrever dessa forma, nunca tinha lido nada parecido antes. Eu fiquei fascinada pela mente da Ryoko, pelas conexões que ela é capaz de fazer, pela forma como ela pensa e como ela se expressa. Eu me senti lendo o mais sensível dos diários de viagem. O que no começo parecia desconexo, na verdade ia cada vez fazendo mais sentido, ao longo do livro eu realmente fui percebendo que era uma história com começo, meio e fim.
Um dos parágrafos que mais me deixou encantada foi quando ela fala sobre certos pratos da cultura libanesa que estavam se perdendo, porque eram muito longos de fazer, podendo durar até dias. As pessoas não querem mais passar dias cozinhando um prato, então é possível que daqui poucas gerações, esses pratos libaneses sejam apenas memórias e isso se perca completamente.
Eu fiquei pensando, por que será que hoje temos tanta pressa? Eu cozinho para alimentar minha família todos os dias, mas quantos pratos eu sei realmente fazer? E desses pratos, quantos carregam tradição e cultura? Quantos deles contam a história da minha família?
É incrível refletir sobre como a culinária influencia não apenas nossas vidas, mas nossa sociedade como um todo. E como a culinária é influenciada. Além de nos alimentar, os pratos que comemos geram (ou não) conexões, são um reflexo do nosso tempo. É muito profundo.
Além disso, a forma dela escrever me fascinou porque reacendeu dentro de mim o meu próprio amor pela escrita. Ela não usou palavras difíceis, ela não ficou horas pensando na formulação do texto, ela simplesmente escreveu, e ela escrita ela comunicou o que ela sentiu e a forma como ela foi tocada pelo povo libanês com tanto carinho, que me tocou também.
Perfeccionista que sou, eu frequentemente questiono a relevância das coisas que quero compartilhar, e agradeço muito porque a Ryoko não fez isso. Foi no conteúdo “irrelevante” que ela me conquistou, e agora quero ler mais livros dela!
O livro não é um livro cristão, também não é um livro de direita ou de esquerda, e eu não sei nem se chega a ser considerado um livro de viagem. É um livro muito interessante e que recomendo muito a leitura, eu não sei se existe tradução para o português mas em francês vale muito a pena!
Bisous,
Clarice